venres, 30 de agosto de 2013

Problemismo: Total Liberdade



Nos Artigos «Estudos numa Escola da Aldeia 15 a 18» (publicados nas Revistas da Enciclopédia Damista de Setembro a Novembro de 2001) divaguei à volta de uma conjetura que, na altura, enunciei da seguinte forma:


Para confirmar esta conjetura mostrei vários exemplos de que destaco estes quatro por ordem de posição do PN (da casa 17 à casa 30):


A característica comum destes 4 trabalhos é que, a DN, estando no Rio, com todas as casas do rio livres de qualquer cavilha, sofre um ataque direto de uma Dama Branca que, deixa às Negras a única opção de abandonar o rio para não perderem de imediato.

No artigo “Estudos numa Escola da Aldeia 18” apresentei algumas posições em que a DN não se encontra atacada diretamente, mas está condicionada pelo “encosto” de um Peão Branco.     


Sem qualquer condicionamento da DN, em «TOTAL LIBERDADE» como lhe chamei, lamentei-me, no artigo «Estudos numa Escola da Aldeia 17», de não ter conseguido encontrar nenhuma posição nas Regras do Jogo de Damas Clássicas.

É sabido nas Damas Clássicas, que 2DB + PB contra DN no Rio + PN24, as Brancas ganham se conseguirem formar a Bateria PN24 + PB20 + DB15 sem que as Negras consigam se “desfazer” do PN24.

Mas este artifício da Bateria não se enquadra na ideia de «TOTAL LIBERDADE» uma vez que o PN24 está impedido de se sacrificar.

O PN24 encontra-se, digamos assim, “sequestrado” pelas Brancas.

Contentei-me então, em mostrar apenas um exemplo explicativo de «TOTAL LIBERDADE» mas tive de me socorrer das Regras das Damas Brasileiras que, como é sabido, os Peões Negros, para além da tomada para a frente, têm que, de igual modo, capturar para trás também.



Repare-se como a DN, com a primazia do lance na posição inicial, tem:
- todas as casas do Rio livres para poder jogar
- não está atacada
- não sofre nenhum tipo de condicionamento pela parte das Brancas
- e pode abandonar o Rio

Veja-se também como os Peões Negros:
- podem movimentar-se
- nenhum deles está, portanto, encravado numa bateria pré-preparada.

Ou seja: as Brancas dão TOTAL LIBERDADE às Negras permitindo até que a DN se desloque livremente no Rio mas, mesmo assim,… as 3 Damas Brancas acabam por ganhar o Jogo!

A Lei de que, uma Dama Negra empata, contra três Damas Brancas, desde que possa jogar livremente no Rio, mantem-se válida e intransponível!
No entanto, se as Negras possuírem um ou mais peões no tabuleiro, para além da DN, esta Lei começa a não ser válida em todos os casos, mesmo sem que se utilize o artifício da Bateria PN24 + PB20 + DB15.

Com este artigo pretendo pois, historiar este Tema «TOTAL LIBERDADE» e, sobretudo, render uma justa homenagem ao seu primeiro Autor nas Regras Clássicas que, como veremos, é o Henrique Guerra Filguera, o autor deste Blogue TRES E DAMA!
                                          
É em Janeiro de 2002, que algo de singular acontece no Jogo das Damas Clássicas! Henrique Guerra traz à luz do dia, na Enciclopédia Damista, a seguinte miniatura de 6 peças:




Sem a utilização do artifício da Bateria PN24+ PB20+DB15, é o primeiro trabalho nas Damas Clássicas (que eu conheça) em que, uma Dama em TOTAL LIBERDADE no Rio, tem a primazia do Lance mas…, mesmo assim, perde contra apenas 3 peças adversárias!

O Dr. Sena Carneiro e Manuel Melo fizeram o seguinte comentário a este problema na Enciclopédia Damista:
“Trabalho de Antologia! Um lampejo de génio! Parabéns ao seu Autor!”

Por ser o primeiro trabalho no Tema TOTAL LIBERDADE nas Damas Clássicas, eu comparo esta miniatura a um trabalho de Pedro Ruíz Montero ou de um Juan Timoneda e quanto mais a aprecio mais valor lhe atribuo!
É uma opção minuciosamente selecionada, com todo o rigor, por um Compositor exigente que privilegia os mais elevados padrões na arte da composição. 

Compare-se a opção escolhida pelo Henrique Guerra no ED Nº5079 com a seguinte transposição simétrica (também dá com a DB30 em 20 e DB6 em 17):


Para mim, é mais do que evidente, que a escolha da força mínima Branca (apenas 2DB+PB em vez de 3DB), a chave imprevisível e a manobra da DB na linha 17-30 na solução do ED Nº5079 do Henrique Guerra, deixam a estética visual que uma simetrização possa acrescentar, a anos-luz de distância, mesmo que, se acentue o facto de as Negras, na simetria, ainda possuírem mais um PN que no trabalho do Henrique Guerra.

Em Junho de 2002, Henrique Guerra, como que a querer dizer ao mundo que não compôs o ED Nº5079 por acaso, publica na Enciclopédia Damista, com o Nº5111, uma nova Obra de Arte mas agora em formato variável!


Definitivamente Henrique Guerra Filgueira entrou para a História do Jogo das Damas Clássicas com estes 2 trabalhos: o ED Nº5079 e este ED Nº5111!

Analisando criticamente este segundo trabalho do Henrique, eu diria que tem uma solução mais intuitiva que a solução do espantoso ED Nº5079, mas não é de admirar… o ED Nº5079 é imprevisível de princípio ao fim!

Vejo também que, neste caso, o Autor se autolimitou (talvez pelo o encantamento da ideia em variável) e não explorou completamente as potencialidades do bloqueio. É que, com apenas o acréscimo de um PN, esta ideia poderia ser enriquecida com a repetição do bloqueio, ora com a DB em 8, ora com a DB em 29.
Repare-se então nesta adaptação, uma miniatura de 8 peças, que mantem à mesma a variabilidade, embora de uma forma mais ténue, mas em que há repetição do Bloqueio devido à presença do PN extra na casa 29:



Mais de 10 anos se passaram desde a publicação do ED Nº5111 que é, como vimos, o segundo trabalho no tema “TOTAL LIBERDADE”.
Neste entretanto, não vi surgir mais nada de similar a estes excecionais trabalhos do Henrique Guerra, o que prova bem da sua singularidade.
Assim, Henrique Guerra, direta ou indiretamente impregnou de “TOTAL LIBERDADE” as seguintes casas do tabuleiro:



Por várias ocasiões, na Enciclopédia Damista, eu utilizei a visualização do padrão de distribuição dos resultados de um determinado tipo de final, para me poder orientar numa linha de pesquisa, para poder “carregar o ânimo” com aquela intuição que nos diz que estamos no caminho certo!

No artigo “Curva de Distribuição Normal” – na Enciclopédia Damista de Dezembro de 2003, cheguei mesmo a escrever:

A emoção diz-me, “por experiência sentida” que o tabuleiro possui uma matemática intrínseca verdadeiramente harmoniosa e bela.

Foi com este espirito, que, ao contemplar este Padrão Inicial, me apercebo da descontinuidade da casa 23. Este “buraco negro” não me pareceu nada normal.
Sobressai mesmo de uma forma aberrante… difícil de explicar.

Porquê 14, 19 e 28 e não 14, 19, 23 e 28?

Novamente a intuição, gerada pela visualização do padrão de resultados, me iria brindar com mais uma fascinante aventura na Composição Artística!

O ponto de partida? Os exemplos conseguidos pelo Henrique Guerra e a “certeza” de que, este bloqueio com DN na casa 23, teria que existir dada a anormal descontinuidade do Padrão Inicial.

Eis, então, o resultado dessa aventura na busca de um Bloqueio no Tema TOTAL LIBERDADE, que preenche a lacuna da casa 23 e que, por transposição, completa também a casa 10!

Inéditos de Eduardo Valente



Uma vez tomado o Rio, as Brancas ganham pelo FPB Nº971 da Enciclopédia Damista em que a Base é feita com as Damas Brancas em 9, 17 e 23.

Como é possível que esta ideia tão simples e tão frequente em vários finais quando existe PB4 e PN8, se tenha mantido escondida durante tanto tempo?! 



A beleza deste padrão é ainda acentuada pela particularidade da casa 5.

Esta casa possui uma característica especial!: Na casa 5 não é possível bloquear uma DN no Tema TOTAL LIBERDADE nas regras das Damas Clássicas. Tal só é possível nas Regras Brasileiras.

Como ficou demonstrado, o Padrão do Tema TOTAL LIBERDADE, nas Damas Brasileiras preenche as casas 5, 10, 14, 19 e 28, mas nas Damas Clássicas, este Padrão é mais limitado pois a casa 5 é excluída. É um pouco atrevida esta afirmação mas considero-a como a melhor conjetura no meu atual estado de conhecimento do Jogo das Damas Clássicas.

Eu não preciso de provar que “todos os melros são pretos e têm bico amarelo”. Se um Damista não concordar com esta afirmação, só tem é que encontrar um (apenas um só chega…) “melro branco de bico azul“ por exemplo!

Na Enciclopédia Damista, cheguei a mencioná-lo uma vez:

- Numa determinada percentagem de posições, o tabuleiro “zomba” (“chacoteia”, “brinca”) com o solucionista/compositor! Este é, para mim, mais um desses casos.

No Jogo das Damas Clássicas, para além das casas 1 e 32, a casa 5 constitui também um refúgio inexpugnável na defesa de uma DN no Rio contra 3 Peças Brancas!

Esta casa 5 possui, portanto, uma característica que distingue o Jogo de Damas nas regras Clássicas do Jogo de Damas nas regras Brasileiras!

Evidentemente que esta diferenciação é fruto da desigualdade das regras de captura das duas modalidades do Jogo das Damas, e é interessante vislumbrar as consequências inesperadas que se podem gerar pelo simples facto de se adaptar, ou não, a captura para trás dos peões.

Nas Damas Brasileiras, como existe uma panóplia de manobras mais vasta devido à potencialidade gerada pela regra dos Peões serem obrigados a capturar também para trás, os resultados desequilibrados tendem a aumentar se comparados com um sistema de regras menos potenciador, como é o caso das Damas Clássicas, em que os peões só capturam para a frente.

Isto verifica-se também com a Lei da Qualidade. Há finais que só se ganham se for utilizada a Lei da Qualidade. Sem esse recurso, o bando mais forte não consegue ganhar.

Um exemplo deste caso é o FPB Nº831-C- da Enciclopédia Damista que, por acaso, até conheço bem! Br: (4), 22, 24, (29) Pr: (1), 29, 30 JBG.  

                                                                          Eduardo Valente, 20-8-2013

1 comentario:

Victor Oliveira dixo...

É um enorme prazer voltar a poder contar com a colaboração do maior e melhor "compositor/problemista" de todos os tempos neste blog.

Um artigo de Eduardo Valente é uma obra-prima.

Eduardo Valente na composição é como Mozart na música, Picasso na pintura, e Miguel Ângelo na escultura... simplesmente "the best"...