mércores, 22 de novembro de 2023

Do fundo da memória

O mês de Novembro corrente começara… Ano de 2023… Ano de 1943… Diferença: oitenta. Do fundo da memória saltou algo.

Em 1976 redigi um dos meus primeiros textos que remeti e veio a ser publicado no extinto Jornal de Almada. No ano seguinte, 1977, viria a conhecê--lo. Ele como participante do 2º Campeonato de Portugal (oficioso), da iniciativa da Enciclopédia Damista, decorrido em Almada, e eu como um dos anotadores (e mirone muito atento).

O meu baú transborda… Havia que achar algo de “especial” para...

O referido texto (que me apeteceu recordar, e fazê-lo recordar ao homenageado), convenientemente reformulado, mas com o título original, dado o seu interesse simultaneamente artístico e prático, mesmo técnico, pois ver-se-á nele as possibilidades de ambas as cores, no decurso dum final susceptível de ocorrer, servia às maravilhas.

Em 1940, José Anselmo Trabuco, fez publicar no Século Ilustrado:

Jogam brancas e ganham

Em 1976, Manuel Ramos Antunes, fez publicar no Jornal de Almada, este final: 

Jogam brancas e ganham

Ainda que inspirado no final atrás (porventura...), o trabalho de M. Ramos Antunes é inteiramente válido. É certo que a principal variante coincide com a brilhante concepção de J. Anselmo Trabuco, mas também é importante a outra variante. Muito sinteticamente, diria que J.A.Trabuco deu um toque artístico a uma composição visualmente prática e M.R.Antunes retocou, acentuou o aspecto prático sem deslustrar o artístico.

 

*          *          *

 

Não tardou que Vaz Vieira topasse outras virtudes, a merecerem revelação, no final de J. Anselmo Trabuco, e logo remeteu para o Jornal de Almada, este final:

Jogam brancas e ganham

Vejamos as soluções das composições antes mencionadas:

 

De JAT: 26-29, 25-21 (se 5-1; 29-19 e 19-32 GB);  29-19,  21-17; 19-26, 17-13 (de novo se 5-1;  29-19 e 19-32 GB);  26-17, 13-10;  17x3, 5-1; 3-10, bloqueio puro e passivo, GB

(Este será porventura o primeiro trabalho a mostrar aquilo que em 1979 vim a definir como tema solitário! Note-se que apenas uma peça branca – normalmente os temas são definidos em função do que executam as brancas – trabalha, solitariamente, para cumprir o enunciado).

 

De MRA: 7-3 e

-se 10-5; 3-12 etc.GB como no final de JAT

-se 9-5; 3x17, 5-1; 17-10, 25-21; 2-5, 21-17; 5-9 GB

 

De VV: 14-18! e

-se 10-5; 15-19 e 19-32 GB

-se 10-6; 2x11 e

 = 9-5; 18-21 e 11-14 e 15x9 GB

 = 25-21; 18x25, 9-5; 15-19, 5-2; 25-29 GB

-se 9-5; 2x9, 10-5; 15-19, 5-2; 19-10!, 2-15; 10-19 GB

 

No final de M. Ramos Antunes usa-se a subtileza de atacar o peão que ameaça promover-se, criando-se uma situação embaraçosa às pretas, posteriormente bela e matematicamente explorada. No final de Vaz Vieira isso não é viável, porém ao impedir-se a movimentação do pp. da #25 deixa-se as pretas optar pelo caminho a seguir para o patíbulo!

 

Agora, o meu contributo reside na resposta à seguinte questão: De todas as colocações possíveis da db., quais as que se prestam a conferir a vitória técnica às brancas?

 

Atente-se no diagrama:


Foi omitida a dama brancas que poderá estar numa das casas: 04, 07, 08, 11, 12, 15, 16, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32. De todos estes possíveis poisos da db., as brancas só não estão aptas a ganhar se ela estiver numa das seguintes casas: 04, 08, 11 ou 29!

 

Demonstração.

 

Primeiro) Se (07), (12), (16), (18), (22), (26), (27), (30) e (31) - Utiliza- -se a estratégia mostrada por M. Ramos Antunes, que recordo: Atacar o pp. da #10, ir à diagonal paralela superior (a partir daqui vale o ideado por J. Anselmo Trabuco), jogar para ?-19 e 19-26 para 26-17 etc.GB

 

Segundo) Se (15), (20), (24) – Joga-se como descortinou Vaz Vieira.

 

Terceiro) Se (19), (23), (28), (32) – Ganha-se assim: 14-18, 9-5; 10-6; ?-1!, 6-3 (se 6-2; 1-10! etc.GB); 18-22, 25-21; 22-26! e

-se 21-17; 26-30, 3-6/16; 1-10/23 GB

-se 3-12; 26-29, e

 = 12-7; 29-26, 21-18; 26-17 para 17-21/13 etc.GB

 = 12-16; 29-26, 21-17; 26-30 etc.GB

 

E assim, em síntese, os subsídios de quatro fontes a corroborar o fascínio do tabuleiro, neste remate final!

 

 

Complemento

 

Como o atento leitor já decerto percebeu o homenageado é Vaz Vieira.

Manuel Alberto Vaz Vieira, vimaranense de nascimento e conimbricense por auto-adopção, cumpre em 22.11.2023 (os homens não se aborrecem por se revelar a sua idade!) o 80º aniversário natalício.

Durante pelo menos duas gerações foi o mais notável damista. Seria ocioso lembrar a seu longo e frutuoso percurso de jogador (muitas vezes, quando, na sua proximidade, o via jogar, pensava o que sentiria o ocasional adversário ante um “monstro” que raramente perdia um jogo).

Naquilo que me diz mais directamente respeito: A sua amizade, simpatia e bonomia, sentida em imensos diálogos sobre finais, é inesquecível. Foi mesmo, quase, o único jogador que “adorava” que lhe mostrasse as minhas “fantasias” compostas no tabuleiro.

Vinte anos, disse e repito, pelo seguinte facto de que só hoje me apercebi: 1923-1943. O primeiro número corresponde ao ano de nascimento do mais genial damista português: Orlando Augusto Lopes, vulgarmente dito OAL, que abarcou todos os domínios do tabuleiro e fez Escola em muitas matérias. O segundo número corresponde ao ano de nascimento de Manuel Alberto Vaz Vieira, vulgarmente dito, Vaz Vieira, que brilhou como (um virtuoso) praticante (muitas vezes referido por campeoníssimo) e na concepção de finais, alguns dos quais de grande utilidade prática. Ou seja, vinte anos depois, e para surpresa de muitos, apareceu outro que viria a emular com o enorme OAL. E é quanto basta, para se aquilatar da grandeza do homenageado.

Três factos relevantes:

1) Andou um pouco mais de 40 anos a jogar o seu desporto-arte-ciência de eleição ao mais alto nível, com resultados invejáveis e dificilmente alcançáveis. 

2) Alcançou os títulos de grande-mestre nacional (FP.Damas) e de grande--mestre internacional (FMJD)

3) Foi durante muitos anos presidente da assembleia geral da Federação Portuguesa de Damas. A sua calma e bom-senso contribuíram decerto para um clima tranquilidade.

 

E é gostoso recordar o que um dia confidenciou: “A primeira vez que joguei damas foi com o meu pai e ele foi o grande responsável pela minha iniciação. Jogávamos à noite (…) era a vantagem de não haver televisão (…). Quando era pequeno, ao contrário do que hoje faço com os meus netos, o meu pai não me deixava ganhar. E dizia que eu era um pexote, que não jogava nada”.

(Permito-me comentar: Que enorme ironia!)

 

Com esta prosa, simbolizo uma grande vela para ele soprar, desejando-lhe a realização de muitas mais voltas ao Sol (com saúde!) e um grande abraço de admiração

 

Luís Xavier


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