O mês de Novembro corrente começara… Ano de 2023… Ano de 1943… Diferença:
oitenta. Do fundo da memória saltou algo.
Em 1976 redigi um dos meus primeiros textos que remeti e veio a ser
publicado no extinto Jornal de Almada. No ano seguinte, 1977,
viria a conhecê--lo. Ele como participante do 2º Campeonato de Portugal
(oficioso), da iniciativa da Enciclopédia Damista, decorrido
em Almada, e eu como um dos anotadores (e mirone muito atento).
O meu baú transborda… Havia que achar algo de “especial” para...
O referido texto (que me apeteceu recordar, e fazê-lo recordar ao
homenageado), convenientemente reformulado, mas com o título original, dado o
seu interesse simultaneamente artístico e prático, mesmo técnico, pois ver-se-á
nele as possibilidades de ambas as cores, no decurso dum final susceptível de
ocorrer, servia às maravilhas.
Em 1940, José Anselmo Trabuco, fez publicar no Século Ilustrado:
Em 1976, Manuel Ramos Antunes, fez publicar no Jornal de Almada, este final:
Ainda que inspirado no final atrás (porventura...), o trabalho de M. Ramos
Antunes é inteiramente válido. É certo que a principal variante coincide com a
brilhante concepção de J. Anselmo Trabuco, mas também é importante a outra
variante. Muito sinteticamente, diria que J.A.Trabuco deu um toque artístico a
uma composição visualmente prática e M.R.Antunes retocou, acentuou o aspecto
prático sem deslustrar o artístico.
* * *
Não tardou que Vaz Vieira topasse outras virtudes, a merecerem revelação, no final de J. Anselmo Trabuco, e logo remeteu para o Jornal de Almada, este final:
Vejamos as soluções das composições antes mencionadas:
De JAT: 26-29, 25-21 (se 5-1; 29-19 e 19-32 GB); 29-19, 21-17;
19-26, 17-13 (de novo se 5-1; 29-19 e 19-32 GB); 26-17,
13-10; 17x3, 5-1; 3-10, bloqueio puro e passivo, GB
(Este será porventura o primeiro trabalho a mostrar aquilo que em 1979 vim
a definir como tema solitário! Note-se que apenas uma peça branca – normalmente
os temas são definidos em função do que executam as brancas – trabalha,
solitariamente, para cumprir o enunciado).
De MRA: 7-3 e
-se 10-5; 3-12 etc.GB como no final de JAT
-se 9-5; 3x17, 5-1; 17-10, 25-21; 2-5, 21-17; 5-9 GB
De VV: 14-18! e
-se 10-5; 15-19 e 19-32 GB
-se 10-6; 2x11 e
= 9-5; 18-21 e 11-14 e 15x9 GB
= 25-21; 18x25, 9-5; 15-19, 5-2; 25-29 GB
-se 9-5; 2x9, 10-5; 15-19, 5-2; 19-10!, 2-15; 10-19 GB
No final de M. Ramos Antunes usa-se a subtileza de atacar o peão que ameaça
promover-se, criando-se uma situação embaraçosa às pretas, posteriormente bela
e matematicamente explorada. No final de Vaz Vieira isso não é viável, porém ao
impedir-se a movimentação do pp. da #25 deixa-se as pretas optar pelo caminho a
seguir para o patíbulo!
Agora, o meu contributo reside na resposta à seguinte questão: De todas as
colocações possíveis da db., quais as que se prestam a conferir a vitória
técnica às brancas?
Atente-se no diagrama:
Foi omitida a dama brancas que poderá estar numa das casas: 04, 07, 08, 11,
12, 15, 16, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32. De todos estes
possíveis poisos da db., as brancas só não estão aptas a
ganhar se ela estiver numa das seguintes casas: 04, 08, 11 ou 29!
Demonstração.
Primeiro) Se (07), (12), (16), (18), (22), (26), (27), (30) e (31) -
Utiliza- -se a estratégia mostrada por M. Ramos Antunes, que recordo: Atacar o
pp. da #10, ir à diagonal paralela superior (a partir daqui vale o ideado por
J. Anselmo Trabuco), jogar para ?-19 e 19-26 para 26-17 etc.GB
Segundo) Se (15), (20), (24) – Joga-se como descortinou Vaz Vieira.
Terceiro) Se (19), (23), (28), (32) – Ganha-se assim: 14-18, 9-5; 10-6;
?-1!, 6-3 (se 6-2; 1-10! etc.GB); 18-22, 25-21; 22-26! e
-se 21-17; 26-30, 3-6/16; 1-10/23 GB
-se 3-12; 26-29, e
= 12-7; 29-26, 21-18; 26-17 para 17-21/13 etc.GB
= 12-16; 29-26, 21-17; 26-30 etc.GB
E assim, em síntese, os subsídios de quatro fontes a corroborar o fascínio
do tabuleiro, neste remate final!
Complemento
Como o atento leitor já decerto percebeu o homenageado é Vaz Vieira.
Manuel Alberto Vaz Vieira, vimaranense de nascimento e conimbricense
por auto-adopção, cumpre em 22.11.2023 (os homens não se aborrecem por se
revelar a sua idade!) o 80º aniversário natalício.
Durante pelo menos duas gerações foi o mais notável damista. Seria ocioso
lembrar a seu longo e frutuoso percurso de jogador (muitas vezes, quando, na
sua proximidade, o via jogar, pensava o que sentiria o ocasional adversário
ante um “monstro” que raramente perdia um jogo).
Naquilo que me diz mais directamente respeito: A sua amizade, simpatia e
bonomia, sentida em imensos diálogos sobre finais, é inesquecível. Foi mesmo,
quase, o único jogador que “adorava” que lhe mostrasse as minhas “fantasias”
compostas no tabuleiro.
Vinte anos, disse e repito, pelo seguinte facto de que só hoje me apercebi: 1923-1943.
O primeiro número corresponde ao ano de nascimento do mais genial damista
português: Orlando Augusto Lopes, vulgarmente dito OAL, que abarcou todos os
domínios do tabuleiro e fez Escola em muitas matérias. O segundo número
corresponde ao ano de nascimento de Manuel Alberto Vaz Vieira, vulgarmente
dito, Vaz Vieira, que brilhou como (um virtuoso) praticante (muitas vezes
referido por campeoníssimo) e na concepção de finais, alguns dos quais de
grande utilidade prática. Ou seja, vinte anos depois, e para
surpresa de muitos, apareceu outro que viria a emular com o enorme OAL. E é
quanto basta, para se aquilatar da grandeza do homenageado.
Três factos relevantes:
1) Andou um pouco mais de 40 anos a jogar o seu desporto-arte-ciência de
eleição ao mais alto nível, com resultados invejáveis e dificilmente
alcançáveis.
2) Alcançou os títulos de grande-mestre nacional (FP.Damas) e de
grande--mestre internacional (FMJD)
3) Foi durante muitos anos presidente da assembleia geral da Federação
Portuguesa de Damas. A sua calma e bom-senso contribuíram decerto para um clima
tranquilidade.
E é gostoso recordar o que um dia confidenciou: “A primeira vez que joguei
damas foi com o meu pai e ele foi o grande responsável pela minha iniciação.
Jogávamos à noite (…) era a vantagem de não haver televisão (…). Quando era
pequeno, ao contrário do que hoje faço com os meus netos, o meu pai não me
deixava ganhar. E dizia que eu era um pexote, que não jogava nada”.
(Permito-me comentar: Que enorme ironia!)
Com esta prosa, simbolizo uma grande vela para ele soprar,
desejando-lhe a realização de muitas mais voltas ao Sol (com saúde!) e um grande
abraço de admiração!
Luís Xavier
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